Esta entrevista foi publicada originalmente no site da Latin Lawyer.
A Latin Lawyer conversa com os co-criadores de uma nova estrutura para integrar a inteligência artificial generativa em escritórios de advocacia – um projeto que, apesar de suas origens brasileiras, tem potencial para adoção em todo o setor jurídico da América Latina e pode ser acessado gratuitamente.
O Modelo de Escritório de Advocacia Centrado em IA Generativa foi lançado ontem e está disponível em inglês, português e espanhol.
“Esta é uma estrutura inovadora, projetada especificamente para atender às demandas únicas do setor jurídico”, diz Paulo Silvestre, que até recentemente atuou como líder de inovação e desenvolvimento do Machado Meyer Advogados. Ele é fundador das consultorias de tecnologia IT Legal Experts e Absense.
“Não basta adotar tecnologia; ela deve ser integrada estrategicamente, alinhada aos objetivos de cada negócio, para que o setor esteja preparado para os desafios de um futuro que não espera”, continua ele.
Fernanda Marinho, líder de inovação no TozziniFreire Advogados, afirma que sua empresa acredita que a estrutura é um “passo significativo adiante” para o setor jurídico e é particularmente valiosa para escritórios no início de sua jornada com IA, pois “vai além dos meros ganhos de produtividade para abranger aspectos como inteligência de negócios e experiência do cliente”.
Silvestre concebeu a estrutura com Alexandre Zavaglia, advogado que lidera a pesquisa em IA no departamento de direito da instituição de ensino superior Fundação Getulio Vargas e é diretor na consultoria Legal&Tech.Design.
A dupla espera que o modelo permita que os escritórios de advocacia adotem uma abordagem estruturada para fazer da IA generativa uma parte central de sua estratégia, em vez de usá-la apenas como um complemento em suas operações. O relatório completo inclui recomendações práticas, insights de suas pesquisas extensas e um foco na colaboração e melhorias contínuas no uso da tecnologia.
A estrutura oferece várias recomendações para escritórios de advocacia, como uma metodologia para integrar a tecnologia em áreas ou projetos selecionados antes de expandir gradualmente as ferramentas de IA por todo o escritório. Essa abordagem destaca que os escritórios terão mais sucesso ao adotar uma abordagem incremental para o uso de IA, dividindo cada processo em fases para permitir ajustes quando necessário.
O relatório de 87 páginas discute aplicações práticas do princípio “humano no loop” – um ponto comum associado ao aprendizado de máquina que visa encontrar um equilíbrio entre automação e intervenção humana. Os co-criadores também exploram várias abordagens para treinar profissionais jurídicos e demonstram como a estrutura se alinha aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Selos de aprovação
Thiago Padovani, gerente de TI do Lobo de Rizzo Advogados, explica que as orientações práticas oferecidas na estrutura a diferenciam de outras publicações sobre o uso de IA em escritórios de advocacia. Ele destaca que a estrutura define pontos de ação que ele pode consultar ao projetar a infraestrutura tecnológica dentro de sua empresa. Ele também acredita que o projeto de Silvestre e Zavaglia filtrou o grande volume de informações – e desinformações – sobre IA e chega ao cerne de como os escritórios de advocacia podem aproveitar essas ferramentas.
“Até agora, a IA tem sido usada por escritórios mais a nível de marketing, então havia a necessidade de analisá-la de uma maneira muito mais profunda, e essa estrutura realmente consolida todos os conceitos de IA que são relevantes para escritórios de advocacia”, diz ele.
“Ela até mostra como a GenAI pode ser aplicada em todas as áreas da organização – algo que realmente precisamos entender para fazer essa tecnologia funcionar”, continua.
Silvia Piva, sócia e líder de inovação na GHBP Advogados, concorda que quando se trata de IA, ações falam mais alto que palavras.
“As conversas sobre o uso de IA têm sido tão teóricas, mas o que realmente precisamos são estruturas como esta que mostram como você pode adaptar seus fluxos de trabalho usando essas tecnologias GenAI”, diz ela.
Renato Opice Blum, sócio do escritório focado em direito tecnológico Opice Blum e Bruno Advogados Associados, afirma que, além da necessidade de informações práticas, a adoção de estruturas garante que os escritórios adotem uma abordagem rigorosa para a adoção de IA.
“Considerando o dever inerente de confidencialidade dentro dos escritórios de advocacia, a implementação de uma estrutura para proteger todas as informações é especialmente relevante”, diz Opice Blum.
“Estruturas ajudam precisamente a estabelecer o conjunto de melhores práticas que devem ser adotadas, considerando que a governança de IA requer uma abordagem proativa para prevenir e mitigar riscos”, continua.
IA sem fronteiras
Notavelmente, o relatório completo está disponível gratuitamente. Silvestre, que trabalha com tecnologia jurídica desde 2010, diz acreditar que a colaboração e o compartilhamento de conhecimento são fundamentais para a inovação e que fornecer materiais de código aberto é fundamental para impulsionar mudanças no setor jurídico.
“O campo jurídico está em um momento crucial – passando por uma transformação sem precedentes – e tornar a estrutura de código aberto é nossa maneira de garantir que todos possam fazer parte dessa evolução”, explica.
Como o resto do mundo, o mercado jurídico da América Latina reconheceu a importância e sentiu a pressão para descobrir como a IA vai influenciar suas operações diárias e estratégias. De acordo com a pesquisa de tecnologia da Latin Lawyer no início deste ano, 56% dos escritórios já usam ferramentas de IA de alguma forma e 46% dizem que aumentaram os gastos com IA no ano passado.
Silvestre e Zavaglia também destacam que a disponibilidade de sua criação em três idiomas diferentes ajuda em seu objetivo de democratizar o conhecimento da tecnologia jurídica. Principalmente, eles querem enfatizar que sua estrutura pode alcançar escritórios de advocacia ao redor do mundo e reforçar os importantes precedentes que o Brasil está estabelecendo quando se trata de aproveitar a IA para o trabalho jurídico.
“[O Brasil está] certamente entre os casos globais mais avançados de tecnologia aplicada a serviços jurídicos”, diz Zavaglia, apontando para os milhões de processos pendentes nos tribunais brasileiros e o número expressivo de contratos que os escritórios precisam gerenciar. “Isso torna o país o laboratório de testes perfeito para a tecnologia de IA.
“Combinado com a criatividade e expertise dos profissionais da área, juntamente com um mercado de tecnologia em rápido crescimento… temos muito a contribuir para as discussões internacionais enquanto também aprendemos com outras realidades”, continua.
Silvestre e Zavaglia desenvolveram a estrutura ao longo de seis meses, coletando seus próprios dados e consultando mais de 50 advogados e especialistas da indústria jurídica de quase 20 países. Trechos dessas consultas estão espalhados ao longo do documento.
Silvestre também aponta pesquisas da consultoria de gestão empresarial McKinsey e do think tank de tecnologia Gartner como fornecedoras de contexto útil para o projeto.
“Esse processo não apenas validou a escalabilidade da estrutura, mas também revelou que, embora os desafios possam variar, a lógica subjacente é universal”, diz Silvestre.
O caminho à frente
Embora a estrutura seja projetada para ser adaptável e dinâmica, a dupla planeja garantir sua relevância por meio de atualizações contínuas. Silvestre observa que os escritórios de advocacia continuarão enfrentando dificuldades para adotar estratégias orientadas por IA enquanto existirem culturas internas avessas a mudanças. Ele também quer preencher a lacuna de conhecimento que está impedindo advogados de incorporarem tecnologia em seus processos diários e expandir o modelo para além dos escritórios.
“Já estamos planejando incluir novos estudos de caso práticos e uma versão específica para departamentos jurídicos corporativos em 2025”, revela Silvestre.
Zavaglia conclui que a estrutura é um trabalho em andamento, mas proporcionará estabilidade e estrutura aos escritórios diante da rápida evolução tecnológica.
“Independentemente da tecnologia, a estrutura traz uma lógica que integra diferentes áreas, incorporando experiência prática jurídica, colaboração e feedback do usuário para melhorar a gestão do conhecimento, o manejo de riscos e o aprimoramento da experiência do cliente”, diz ele.